A Carantânia na obra de Jean Bodin

Principado eslavo nos alpes orientais existiu por mais de dois séculos no início da Idade Média

Carantânia: o que foi?

A Carantânia surgiu no coração dos Alpes orientais, cobrindo o planalto do Zollfeld e áreas que hoje pertencem ao sul da Áustria (Caríntia) e ao nordeste da Eslovênia. O núcleo foi a região em torno da atual Klagenfurt / Karnburg. Características geográficas importantes da região eram:

Esses três fatores condicionaram a economia e o controle político local.

Quem eram os carantanos? (origens e identidade)

Os carantanos eram povos eslavos alpinos que se consolidaram regionalmente após o colapso do reino de Samo (século VII). A etnogênese combina tribos eslavas locais e dinâmicas próprias da região alpina.

Do ponto de vista linguístico/cultural, tratava-se de falantes do proto-eslavo ocidental/meridional que desenvolveram tradições próprias (costumes, ritos de instalação de líderes, estruturas comunitárias).

Linha do tempo essencial

Estrutura política e sistema administrativo

Sociedade, economia e vida quotidiana

Cristianização e igreja

Relações externas e militares

Transformação política: medievo tardio e legado

O que Jean Bodin diz sobre a Carantânia

Jean Bodin (teórico e jurista francês, 1530-1596)  destaca em uma de suas obras um rito medieval peculiar e notável praticado na Carantânia, apresentando-o como um exemplo singular de participação democrática — algo excepcional na Idade Média. Em sua descrição, ele enfatiza que, durante a cerimônia de instalação do príncipe ou duque (knèze), um camponês livre era escolhido para interrogar o governante proposto, reforçando assim sua legitimidade com base na responsabilidade perante o povo.

Esse ritual envolvia o seguinte procedimento:

Bodin ressalta que tal cerimônia era uma reminiscência — ou “antecedente único” — de formas populares de escolha ou validação de poder em um contexto europeu medieval extremamente marcado por estruturas autoritárias.

Resumo organizado

Elemento Detalhes principais
Rito observado Nomeado por Bodin como um exemplo singular de coerência popular na legitimação do poder.
Personagem central Um camponês livre era escolhido para interrogar o futuro duque, atuando como representante do povo.
Símbolo físico O candidato sentava-se sobre a “Pedra do Príncipe” como parte do ritual.
Significado simbólico Uma clara ilustração da obrigação do príncipe em servir o bem público, lembrado por um representante do povo.
Atenção histórica Bodin valoriza essa prática como um vestígio raro e significativo de participação democrática na governança medieval.

A Carantânia e a Teoria da Soberania de Bodin

Contexto da obra

Jean Bodin é o teórico que formula de modo mais sistemático a ideia de soberania como poder absoluto, perpétuo e indivisível da República. Ele critica sistemas em que a autoridade é fragmentada ou instável. Porém, em sua análise histórica comparada, ele traz exemplos de práticas políticas diversas, inclusive de povos “periféricos” da Europa, como os eslavos carantanos.

A Carantânia em Bodin

Bodin descreve o rito de instalação do duque carantano como um caso único em que o povo participava diretamente da legitimação do governante. Esse procedimento acontecia sobre a Pedra do Príncipe (Knežji kamen), onde o futuro governante se submetia às perguntas de um camponês livre.

Para Bodin, esse ritual era extraordinário porque invertia temporariamente a hierarquia: o príncipe respondia, o camponês julgava.

Relação com a soberania

Bodin não via a Carantânia como um “modelo a ser seguido”, mas como um exemplo curioso de limitação do poder. A cerimônia mostrava que, antes de exercer o poder soberano, o príncipe era lembrado de que deveria servir ao bem comum.

Isso ilustrava o que Bodin chama de consentimento inicial do povo, que legitima a soberania, mesmo que depois ela seja indivisível e perpétua. Em outras palavras: o governante nasce do povo, mas, uma vez instituído, concentra a soberania.

Interpretação histórica

O caso da Carantânia foi usado por Bodin para mostrar que, na história, existiram rituais que reconheciam o papel do povo. Porém, sua teoria geral permanece: só pode haver um centro soberano de poder (o príncipe, ou a República).

O rito carantano seria, portanto, uma curiosidade etnográfica que confirma a regra: mesmo quando o povo participa, a soberania precisa se consolidar na figura do governante.

Em resumo

Bodin usa a Carantânia como exemplo de como diferentes povos organizaram a legitimação do poder. O rito de um camponês interrogar o príncipe serve como lembrete simbólico de que a autoridade deriva do povo. Contudo, para Bodin, a soberania verdadeira não se fragmenta: uma vez confirmado, o duque carantano exercia o poder pleno da República.

“Na Carantânia, antes que o duque pudesse governar, era interrogado por um camponês livre, assentado sobre a Pedra do Príncipe.”

Este rito, segundo Bodin, revela uma forma singular de consentimento popular na lenta legitimação do poder. Ainda que o príncipe exerça soberania plena — indivisível, perpétua e absoluta —, esse ritual simboliza que a autoridade nasce da conexão com o povo, reforçando sua responsabilidade para com o bem comum.

A Carantânia é considerada o primeiro “estado” eslavo e o ritual descrito por Bodin tem símbolos que estão presentes na teoria da democracia contemporânea. O camponês sentado no lugar do futuro imperador representa a empatia que deve haver entre os membros da nação que são iguais perante a lei. 

O futuro governador incorpora também a classe desprotegida simbolizada pelo vestuário de um pobre pastor. Nas crenças antigas, o sopro tinha o significado do espírito, ou seja, quando o camponês sopra sobre o futuro governador, transmite-lhe supostamente o espírito do povo, o que, transposto para o governo de hoje, representa a solidariedade entre as várias classes sociais, desejável numa nação democrática.

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