OS FILHOS DO ALTAR E DA LANÇA – MARCELO AUGUSTO MIRANDA

Capítulo IV — O Mosteiro de Santa Cruz e o Silêncio dos Monges

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O mundo tornou-se brando, e Pedro sentiu-se conduzido como folha sobre águas serenas. O tempo dobrava os joelhos, e o espaço se abria como um claustro eterno. Quando abriu os olhos, estava diante de um templo feito não apenas de pedra, mas de oração: o Mosteiro de Santa Cruz, em Coimbra.

Suas paredes brancas, talhadas como se tivessem sido moldadas pela luz da manhã, tocavam o céu com humildade.

As colunas em arcadas curvavam-se como anciãos em adoração. E os claustros — ó, os claustros! — respiravam um silêncio que não era ausência de som, mas presença do Verbo.

Pedro atravessava os pórticos como quem entra num sacrário. A vida ali dentro não era marcada por ruído, mas por ritmo sobrenatural: o toque dos sinos, o canto das horas, o perfume do incenso que subia como oferenda viva.

Ali, os cônegos regrantes de Santo Agostinho viviam como se estivessem à sombra do Paraíso perdido. Sua regra era a do coração unido à cruz, e seus dias eram tecidos de oração, estudo, penitência e caridade. Nenhuma palavra era proferida em vão. Os lábios, quando abertos, entoavam salmos; os olhos, quando elevados, contemplavam os Céus.

Foi nesse ambiente que Pedro conheceu a figura austera e doce de São Teotônio, primeiro prior e pai espiritual daquele santuário. Seu semblante era esculpido pela penitência, mas sua voz fluía como água calma. Seus olhos, como janelas do claustro, deixavam entrar apenas a luz de Deus.

Ao ver Pedro, o santo não o saudou com palavras, mas com um gesto: um leve inclinar de cabeça, como quem reconhece um peregrino da eternidade. E então disse:

— “Aqui se aprende a arte de morrer… para viver.”

O Anjo, ao lado de Pedro, falou então com solenidade:

— “Vê, Pedro, neste lugar florescem as virtudes esquecidas pelos reis e pelos mercadores. Aqui a humildade governa, a obediência reina, a castidade resplandece, e a caridade alimenta até o último dos irmãos. O saber aqui não é vaidade, mas culto. A pena é espada. O silêncio, escudo contra a heresia.”

Pedro andou pelas bibliotecas, onde os livros repousavam como relíquias. Códices, pergaminhos, tratados, Evangelhos… ali estavam as vozes dos santos e dos apóstolos, copiadas com esmero, como se cada letra fosse uma hóstia a ser oferecida. Os monges traduziam, glosavam, iluminavam os textos sagrados com paciência e temor.

Um dos monges, vendo Pedro maravilhado, falou com doçura:

— “O que escrevemos aqui, peregrino, é pão para os séculos. Pois não se edifica um reino sem alicerces eternos.”

No refeitório, Pedro viu a virtude da moderação: os irmãos comiam em silêncio, enquanto outro lia em voz alta as Escrituras — pois a boca que se nutre de pão deve também saciar-se da Palavra.

Na enfermaria, viu a caridade viva: os monges cuidavam dos doentes com ternura e fé, tratando cada ferida como se tocassem no corpo de Cristo.

No oratório, o incenso subia como súplica, e as velas tremulavam como línguas de fogo. Ali, Pedro viu que a oração constante era o coração secreto da pátria. E entendeu: Portugal não nasceu apenas no campo de batalha, mas neste altar oculto, onde monges desconhecidos pelejavam contra o pecado com as armas da alma.

— “Portugal será forte,” disse o Anjo, “porque primeiro foi pequeno diante de Deus. Antes de conquistar mares, conquistou a si mesmo com jejum, vigília, ciência e fé. A coroa que resistirá às tempestades será a que foi forjada no silêncio da cela.”

Pedro caiu de joelhos diante do altar do mosteiro. Ali, sob a cruz suspensa, compreendeu que a grandeza de uma nação começa no recolhimento da alma.

E antes de ouvir o toque dos tambores e o rugir das velas, havia que ouvir — com o coração calado — o leve sussurro do Espírito Santo, que sopra onde quer.

E então, a luz o envolveu mais uma vez.

Pois agora, as velas estavam prestes a se erguer.

Mas primeiro, era necessário aprender o caminho que leva ao Céu — para depois, traçar os caminhos do mar.

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Marcelo Augusto Miranda é natural de São Paulo – SP. É bacharel em Direito e empresário atuante no setor de pós-colheita. Católico, valoriza princípios éticos e a tradição cristã em sua vida pessoal e profissional.

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