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Antes que Pedro respirasse outra vez, o mundo à sua volta foi tomado por escuridão densa e fervente. Estava na Península Ibérica, mas séculos antes da aurora de Ourique. Um vento quente soprava do sul. Do horizonte, vinham homens com turbantes e lâminas curvas. Seus estandartes ostentavam o crescente lunar — símbolo de outra fé, mas também de conquista sem misericórdia.
Era o ano de 711. Os exércitos mouros atravessavam o estreito de Gibraltar como maré negra, devastando vilas, convertendo à força, queimando igrejas. A espada não distinguia entre inocentes e culpados. Os sinos das catedrais foram silenciados; os mosteiros, saqueados. Cruz e altar foram substituídos por minaretes. O povo cristão, subjugado, chorava no silêncio dos montes.
Pedro viu mulheres fugindo com crianças, sacerdotes escondendo o Santíssimo, cavaleiros tombando em oração enquanto morriam pela fé. E em meio ao caos, uma pequena chama resistia.
Na caverna de Covadonga, viu-se a semente da Reconquista. Ali, um punhado de fiéis, liderados por Dom Pelágio, resistia. Não pela força das armas, mas pela fidelidade ao Deus verdadeiro. As montanhas ecoavam os salmos, e nas pedras frias nascia uma esperança.
O Anjo, com o olhar voltado ao céu, falou:
— “Aqui começa o caminho da restauração. Onde os homens dobraram os joelhos diante do falso, Deus levantou um povo com o coração ferido, mas fiel. Por esses que não cederam, a promessa foi mantida.”
A história avançava como rio impetuoso. Veio a luta, século após século. Castelos erguidos, muralhas quebradas, cruzes reerguidas. Até que finalmente, chegamos a Ourique — o mesmo campo do capítulo anterior, mas agora compreendido em sua plenitude.
Pedro viu com clareza: não foi apenas uma batalha entre homens, mas entre reinos espirituais. A vitória de Dom Afonso Henriques foi o selo visível de uma promessa invisível. Cristo apareceu-lhe não como símbolo, mas como Senhor e Juiz.
— “Por ti farei um povo, e teu nome será espada e semente.”
Pedro caiu em pranto. Não de dor, mas de gratidão.
— “Agora entendo,” disse ele. “Portugal não nasceu de conquista apenas, mas de joelhos dobrados e sangue oferecido.”
O Anjo assentiu.
— “E esse sangue será derramado novamente, ao cruzar o mar. Pois a missão não é de glória temporal, mas de salvação eterna. Verás, Pedro. Verás a cruz fincada em terras de palmeiras. Verás um amor surgir entre um navegador e uma filha da terra. Verás o Evangelho caminhar descalço pela mata. Mas tudo isso… depois.”
Com um gesto, o Anjo envolveu Pedro na luz. E o jovem, agora iniciado nos segredos da História Santa de sua nação, preparava-se para o terceiro passo: a travessia.
E assim termina o segundo capítulo, como um monte onde se enxerga, ao longe, o mar da promessa.
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Marcelo Augusto Miranda é natural de São Paulo – SP. É bacharel em Direito e empresário atuante no setor de pós-colheita. Católico, valoriza princípios éticos e a tradição cristã em sua vida pessoal e profissional.