Vieira e Vieirinha: a dupla que transformou o catira em espetáculo

Espaço do Caipira

Vieira e Vieirinha: uma breve biografia

No universo da música caipira, alguns nomes permanecem como pilares de uma tradição que atravessa gerações. Entre eles, Vieira e Vieirinha ocupam um espaço especial. A dupla, formada pelos irmãos Rubens Vieira Marques (Vieira), nascido em 20 de setembro de 1926, e Rubião Vieira (Vieirinha), nascido em 26 de agosto de 1928, surgiu em Itajobi, interior de São Paulo, onde a viola era quase um membro da família e o canto fazia parte da rotina do lar (Itajobi é a cidade onde nasceu a avó deste que vos fala, Aparecida Augusto Lopes Valukas, que também era cantora caipira em sua juventude).

Criados em um ambiente em que todos tocavam, cantavam ou fabricavam instrumentos, os dois cresceram respirando a cultura que mais tarde levariam para o Brasil inteiro. Desde cedo participavam de festas, batizados, quermesses e encontros familiares, onde afinavam a voz e aperfeiçoavam as batidas do catira — marca registrada que se tornaria, anos depois, o grande cartão de visitas da dupla.

Início da vida profissional

O caminho profissional começou a tomar forma em 1949, quando os irmãos se apresentaram pela primeira vez no rádio da região. Foi o suficiente para chamar a atenção de Tonico e Tinoco, que, impressionados com o talento dos dois, os incentivaram a buscar espaços maiores na capital. Pouco depois, Vieira e Vieirinha se mudaram para São Paulo, onde a cena caipira fervilhava entre programas de auditório, rádios populares e gravadoras que fortaleciam a música sertaneja tradicional.

A estreia oficial na Rádio Nacional aconteceu em 1951, e foi ali que receberam o nome artístico que os acompanharia por toda a vida. Em programas como Alvorada Cabocla e Sertão na Cidade, conquistaram ouvintes com interpretações firmes, harmonias limpas e uma presença de palco que unia canto e dança. Em 1953, lançaram o primeiro 78 rpm, com as músicas O canoeiro não morreu e Nova Londrina, abrindo caminho para uma discografia robusta, marcada por dezenas de discos e sucessos que se espalharam pelo interior paulista e por outros estados.

Capa do álbum Vieira & Vieirinha, da coleção Som da Terra, lançado pela gravadora Warner/Continental (atual Warner Music Brasil).

Os maiores catireiros do Brasil

A força da dupla, porém, não estava apenas nas vozes. Vieira e Vieirinha se tornaram conhecidos como grandes catireiros, levando o ritmo para palcos e rádios de todo o país. A dança, que exige precisão, sincronia e energia, era executada por eles com tanta naturalidade que lhes rendeu o título de “Os Maiores Catireiros do Brasil”. No repertório, modas como Garça Branca, Transporte de Boiada, Cravo na Cinta, Noite Serena e Rosas de Carne se destacaram e se tornaram parte da memória afetiva de muitos amantes da música caipira.

Embora já gozassem de sucesso, a vida da dupla não foi sempre estável. No começo da década de 1960, cansados do ritmo acelerado da capital, decidiram voltar ao interior. Compraram um restaurante e adquiriram uma fazenda em Goiás, acreditando que ali encontrariam tranquilidade e um novo modo de vida. No entanto, a escritura da propriedade revelou-se irregular, e os dois perderam praticamente tudo o que investiram. Foi um golpe difícil, mas não suficiente para silenciá-los. Determinados, retomaram a carreira artística e em 1963 lançaram o LP A Volta de Vieira e Vieirinha, provando que a força criativa da dupla permanecia intacta.

Ao longo das décadas, Vieira e Vieirinha seguiram gravando, viajando e apresentando as modas que embalavam o interior do Brasil. A parceria durou até 1991, quando Vieirinha faleceu, encerrando uma das formações mais queridas da música caipira. Vieira se afastou dos palcos por alguns anos, mas em 1996 retornou ao cenário musical ao lado do filho, formando a dupla Vieira e Vieira Jr., dando continuidade ao legado que havia construído com o irmão. Vieira faleceu em 2001, mas a influência da dupla permanece viva e presente.

Vieira e Vieirinha — memória viva da música caipira

Ao revisitar a história de Vieira e Vieirinha, mais do que recuperar datas e gravações, reencontramos uma parte essencial da formação cultural do Brasil rural. A dupla simboliza a resistência de um estilo que valoriza a simplicidade, a poesia do cotidiano e a força das tradições que viajam de geração em geração. Em um mundo cada vez mais urbanizado e conectado, recordar o trabalho desses artistas é também lembrar que a música caipira continua sendo uma ponte afetiva entre passado e presente.

As modas cantadas pelos irmãos não falam apenas de viola, boisadeiros, amores e saudades; elas revelam um modo de vida que moldou identidades e manteve viva a memória de um Brasil profundo, onde a cultura não é espetáculo, mas pertencimento. Vieira e Vieirinha deixaram mais que músicas — deixaram um repertório emocional capaz de transportar qualquer ouvinte para a varanda de um rancho, para o terreiro de uma festa ou para as lembranças de um tempo em que a vida parecia seguir no compasso da viola.

Falar sobre eles hoje é reafirmar o valor da música caipira como patrimônio cultural. É reconhecer que, mesmo com o passar dos anos, seus versos continuam ecoando. E é justamente por isso que Vieira e Vieirinha seguem como referência indispensável para quem ama, pesquisa e cultiva a riqueza sertaneja.

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