A Aliança Indissociável: Elite Jurídica, Moraes e o Apoio Irresistível

Apesar da sanção imposta ao ministro Alexandre de Moraes pelo Supremo Tribunal Federal (STF) pelos Estados Unidos, com base na Lei Magnitsky, e das reiteradas decisões consideradas abusivas por muitos, figuras influentes dos Três Poderes e de entidades jurídicas brasileiras demonstraram apoio incondicional ao magistrado.
Críticas contundentes à conduta de Moraes vêm não apenas da oposição política, mas também de veículos de imprensa e intelectuais de diferentes espectros ideológicos. No entanto, a elite do estabelecimento jurídico brasileiro se mantém unida ao ministro.
Na sessão de abertura do semestre no STF, em 1º de agosto, os ministros mais influentes da Corte defenderam Moraes sem reservas. Embora o posicionamento já não seja unânime dentro do Supremo, como evidenciado por reportagens recentes, figuras como Luís Roberto Barroso, presidente do STF, e Gilmar Mendes continuam a respaldar o ministro.
Barroso fez uma homenagem direta a Moraes, citando-o nominalmente e afirmando que ele conduziu processos “com inexcedível empenho, bravura e custos pessoais elevados”. Gilmar Mendes também demonstrou apoio enfático: “Já me pronunciei neste sentido e agora reafirmo: Vossa Excelência, ministro Alexandre, tem prestado um serviço fundamental ao Estado brasileiro, demonstrando prudência e assertividade na condução dos procedimentos instaurados para a defesa da democracia”.
No Executivo, o presidente Lula da Silva manifestou apoio a Moraes em comunicado oficial, classificando a sanção como “motivada por políticos brasileiros que traem nossa pátria e nosso povo em defesa dos próprios interesses”. Lula deve reforçar essa mensagem em pronunciamento nacional no domingo (3).
No Legislativo, o apoio a Moraes se expressou entre as linhas. O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), declarou que “como país soberano não podemos apoiar nenhum tipo de sanção por parte de nações estrangeiras dirigida a membros de qualquer Poder constituído da República”. Diversos parlamentares de sua base governista aderiram a essa postura.
Entidades jurídicas também se posicionaram a favor de Moraes. O Conselho de Presidentes dos Tribunais de Justiça (Consepre) classificou a sanção como “grave e inadmissível interferência nos assuntos internos do Brasil”, além de “atentar contra a soberania nacional”. A Associação Juízas e Juízes para a Democracia (AJD) adotou uma postura similar, considerando o evento como “inaceitável ameaça à soberania nacional, à independência do Poder Judiciário e aos princípios fundamentais da República Federativa do Brasil”.
Para analistas ouvidos pela Gazeta do Povo, a aliança entre a elite do poder e Moraes se dá por uma combinação de conveniência política e corporativismo. O cientista político Paulo Kramer lembra as críticas do sociólogo Oliveira Vianna (1883-1951) à alienação das “elites bacharelescas” no Brasil, que viviam em um “Brasil legal” distante da realidade, e tinham uma visão distorcida da sociedade.
Segundo Kramer, o cenário político atual aprofundou esse divórcio entre a chamada “juristocracia” e a realidade. “Os juristocratas vivem refugiados numa bolha, cada vez mais hostis às parcelas majoritárias de nossa sociedade, uma sociedade que eles consideram anti-iluminista, retrógrada, supersticiosa, autoritária, ignorante e sobretudo antiestética. No seu mundo de fantasia, insistem em corrigir esses ‘erros’ a golpes de interpretação, recorrendo, se necessário, à coerção estatal para submeter o povo a um conceito de legalidade que, na prática, desmantela o Estado democrático de Direito em seus pressupostos mais elementares, como a liberdade de expressão”, afirma Kramer.
O especialista aponta que a juristocracia incorre no “equívoco do ‘autoritarismo instrumental'”, que é o “comportamento de elites que não hesitam em abusar dos direitos civis e das liberdades políticas para conduzir a ‘massa ignara’ ao paraíso da democracia…”
Ricardo Caldas, cientista político e professor da UnB, argumenta que a corrupção sistêmica no Brasil favorece o corporativismo. Citar o conceito de “homem cordial” do sociólogo Sérgio Buarque de Holanda (1902-1982), Caldas explica que “os atores estatais se sentem independentes da sociedade, como se estivessem acima da sociedade civil” e que “tudo se baseia em troca de favores” no poder estatal brasileiro.
“Existe no Brasil uma confusão entre o público e o privado. Dentro do Supremo, há um corporativismo. E há uma prevalência do Estado, como mencionava [o sociólogo] Raymundo Faoro [1925-2023] no livro ‘Os Donos do Poder’ [1958]. Os donos do poder não são, como Marx dizia, os capitalistas, são os burocratas. E aí acaba havendo uma confusão entre o público e o privado, que é o patrimonialismo”, conclui Caldas.