Os filhos do altar e da lança

OS FILHOS DO ALTAR E DA LANÇA – MARCELO AUGUSTO MIRANDA

Capítulo I — Do Grito Silencioso ao Chamado do Alto

Em tempos onde o ruído é rei e o silêncio uma relíquia esquecida, encontramos Pedro — moço de quinze primaveras, órfão de pai, filho de uma terra que já não sabia seu nome. Era noite, e sobre a cidade pairava uma penumbra não apenas física, mas moral. As luzes elétricas tremeluziam nas janelas como fogueiras apagadas pela modernidade, e Pedro, regressando de um dia de trabalho pesado, cruzava as ruas como quem caminha sobre brasas frias.

Seus olhos, acostumados ao concreto e à pressa, fitavam o céu como quem procura estrelas que já não ousam brilhar. Chegando em casa, encontrou o que se tornou o altar moderno: a televisão. Nela, os sumos sacerdotes da política recitavam sua liturgia de escândalos. As redes sociais, como oráculos impuros, vomitavam imagens de vaidade, traição, e idolatria do eu.

Pedro assistia — não com ingenuidade, mas com uma tristeza que só os puros conhecem. Via senadores como sátiros, deputados como crianças birrentas, governantes sem temor de Deus. Prometiam liberdade, mas serviam ao ventre. Clamavam justiça, mas vendiam a verdade por trinta moedas. E nas escolas, nas leis, nos palácios, a Cruz fora retirada, substituída por slogans e estatísticas. O Nome Santo de Deus era usado em vão — zombado, esquecido, negado.

— “Quem nos salvará, se até os pastores perderam o caminho?” — murmurou Pedro, olhando a Cruz de madeira pendurada no canto da sala, herança do avô que lutara na guerra.

Subiu ao seu quarto e, em silêncio mais eloquente que discursos, ajoelhou-se. Era pobre. Era jovem. Mas no coração trazia sede de eternidade.

— “Senhor Jesus, humilde e manso de coração, mostra-me o caminho. Que eu seja Teu servo, mesmo no mundo que não Te quer.”

O tempo parou. Uma luz, não artificial, mas viva como aurora que rompe o abismo, preencheu o quarto. E ali estava ele: o Anjo de Portugal. Não como nas pinturas sentimentais, mas como um guerreiro de luz, olhos firmes como os da águia, voz como trombeta que convoca reis e crianças.

— “Pedro,” disse o Anjo, “filho da promessa e da dor, o Altíssimo ouviu tua oração. Muitos são os chamados, poucos os que respondem. Vieste, pois agora verás.”

Sem mover os pés, Pedro viu o mundo girar como livro aberto. A sala tornou-se campo. O quarto, catedral. Estava em Ourique, no século XII. E no centro do campo, o jovem Dom Afonso Henriques, o primeiro Rei de Portugal, ajoelhado como servo diante da Cruz.

Cercado por exércitos muçulmanos, em menor número, sem esperança humana, Dom Afonso clamava a Deus. E então — como narrou Camões nos “Lusíadas”, e como creram os antigos — apareceu o próprio Cristo crucificado, com olhos de fogo e voz de eternidade:

— “Afonso, por ti será fundada uma nação, para Mim. E levarás o Meu Nome a outras terras além-mar. Eu te dou a vitória, e a missão.”

Pedro caiu de joelhos, tomado por temor e amor.

— “Como pudemos esquecer? Como trocamos promessa por propaganda, fé por filosofia vazia?”

O Anjo pousou a mão sobre seu ombro.

— “Porque os povos sem memória tornam-se escravos. Mas tu lembrarás. E serás testemunha. Não és apenas um menino — és elo da promessa entre Portugal e o Brasil, entre Cruz e Caravela, entre Altar e Terra.”

Do campo de batalha, o cenário mudou. Pedro viu as ondas. As caravelas. A viagem. Os ventos levando a Cruz para o ocidente. E no horizonte, uma nova terra surgia — o Brasil.

— “Mas ainda não é o tempo de veres isso, Pedro,” disse o Anjo. “Antes de contemplares a promessa cumprida, deves conhecer a raiz ferida. E também, encontrarás a flor escondida — pois no meio da guerra, haverá amor. E esse amor entre um português e uma filha desta nova terra, Bartira, será o sacramento vivo da união entre os dois mundos.”

Pedro ergueu-se. Seus olhos ardiam, não de lágrimas, mas de vocação. O chamado ecoava:

— “Lembra, jovem: a história é o campo onde Deus combate com e por Seus filhos. E tu agora estás nela.”

E assim se encerra o primeiro capítulo: não como fim, mas como alvorada. Pois Pedro agora conhecia seu destino — tornar-se memória viva, ponte entre eras, entre céu e chão.

E a jornada estava apenas no começo.

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Marcelo Augusto Miranda é natural de São Paulo – SP. É bacharel em Direito e empresário atuante no setor de pós-colheita. Católico, valoriza princípios éticos e a tradição cristã em sua vida pessoal e profissional.

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