Os filhos do altar e da lança

OS FILHOS DO ALTAR E DA LANÇA – MARCELO AUGUSTO MIRANDA

Capítulo III — As Cortes de Leiria: O Pacto Real com Deus

Leia os capítulos anteriores aqui.

Após a vitória e a promessa divina em Ourique, o jovem Reino de Portugal caminhava para firmar-se não apenas como uma potência militar, mas como uma nação consagrada ao serviço de Deus. Pedro, guiado pelo Anjo, é agora transportado em espírito a um novo cenário — não mais o campo de batalha, mas a câmara da aliança.

Quando seus olhos se abriram, viu-se no coração de um salão de pedra antiga, iluminado por tochas e vitrais coloridos. Ali, o som grave das vozes, misturadas ao eco das abóbadas, formava uma espécie de canto solene. Era Leiria, ano do Senhor de 1254, e Portugal, ainda jovem, firmava sua alma diante do Céu.

À frente, erguia-se Dom Afonso III, não como um tirano cercado de soldados, mas como um servo do Rei dos Reis. Ao seu redor estavam os bispos, os monges de hábito escuro, nobres de espada à cintura e representantes do povo.

— “Este não é um trono de ferro,” — murmurou o Anjo a Pedro — “é um altar de responsabilidade.”
Pedro contemplava maravilhado. Ali, nas primeiras Cortes Gerais de Portugal, selava-se algo mais que leis temporais: firmava-se um pacto real com Deus.

Como em tempos antigos, quando Moisés desceu do Sinai com as tábuas da Lei e selou a Aliança com o povo eleito, agora também uma nação inteira se oferecia a Deus, não com sacrifícios de sangue, mas com a promessa de justiça, fidelidade e educação na fé.

Dom Afonso jurava proteger a Igreja, sustentar os pobres, ouvir os conselhos do clero, preservar a moral católica e reger com equidade os súditos. E quando o Evangelho foi aberto sobre a mesa do rei, todos se levantaram. O monge que lia a Palavra ergueu a voz com firmeza:

“Feliz a nação cujo Deus é o Senhor.” (Salmo 32,12)

Ali, Pedro entendeu: as Cortes eram altares disfarçados de assembleia. E o Evangelho, mais do que um livro cerimonial, era o coração da constituição lusitana.

Os decretos escritos protegiam os órfãos, as viúvas e os camponeses. Mosteiros eram fundados, escolas surgiam junto às abadias, e os monges ensinavam não só as letras, mas a Lei Eterna.

Então, o tempo se adensou. O Anjo levou Pedro à visão da leitura de um pergaminho especial. Era o ano de 1179, alguns anos antes das Cortes. Em Lisboa, os sinos tocavam enquanto o clero lia, diante do povo, a bula Manifestis Probatum do Papa Alexandre III.

“Reconhecemos Afonso como legítimo Rei de Portugal, e tomamos seu reino sob nossa proteção apostólica.”
Monges copistas transcreviam com reverência o documento. O povo se ajoelhava. O céu parecia sorrir sobre aquela proclamação.

O Anjo, agora ao lado de Pedro, falou com voz firme:

— “Manifestamente provado está: Portugal não nasceu apenas de sangue e ferro, mas de oração e fidelidade. É um reino que pertence a Deus, não ao mundo.”

O Anjo, então, apontou para o brasão do reino onde tremulava a cruz. Ao lado, a bandeira sagrada tremulava ao vento, com seus escudetes azuis marcados por pontos brancos — as Cinco Chagas de Cristo, eternamente abertas sobre a história lusitana.

— “Foi São Bernardo de Claraval, parente distante de tua casa real, mas muito mais que isso: pai espiritual desta terra nascente. Foi ele quem difundiu a devoção às Chagas de Cristo, e sua pregação cruzou os montes até tocar os corações dos primeiros reis de Portugal. O sangue do Crucificado tornou-se selo, proteção e vocação para esta pátria consagrada.”

Disse-lhe:

— “Eis aqui a raiz de tua pátria, Pedro. Uma raiz plantada à beira do altar. Lembra-te: quando o rei serve a Deus, o povo floresce. Quando o rei se serve de Deus, o povo apodrece.”
Pedro se emocionou. Naquela reunião política, via-se uma consagração. A aliança entre cruz e coroa, entre altar e espada, entre fé e justiça. Um reino que não deveria se servir de Deus para reinar, mas reinar para servir a Deus.
“E o Senhor será Rei sobre toda a terra; naquele dia, o Senhor será o único, e único será o seu Nome.” (Zacarias 14,9)

Pedro caiu de joelhos, em silêncio. Estava diante do nascimento espiritual de Portugal — não uma invenção humana, mas uma nação que brotou da fé e foi ungida com missão.

E assim, o menino se preparava. Pois o próximo passo da jornada seria sobre as ondas. A promessa feita no altar das Cortes deveria cruzar o oceano — levada por naus, por sangue e por cruz.

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Marcelo Augusto Miranda é natural de São Paulo – SP. É bacharel em Direito e empresário atuante no setor de pós-colheita. Católico, valoriza princípios éticos e a tradição cristã em sua vida pessoal e profissional.

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