Educação

Fim da Aprovação Automática: Regras e Debate no Ensino Fundamental e Médio

A Comissão de Educação da Câmara dos Deputados aprovou, em julho, um projeto que visa modificar a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB). A mudança proposta impede a aprovação automática de alunos dos ensinos fundamental e médio que não atingirem a nota necessária para passar de ano.

Caso se torne lei, as escolas serão proibidas de adotar o chamado regime de progressão continuada, um modelo que organiza o ensino em ciclos, geralmente de dois a três anos, em vez de séries anuais. O projeto (PL 5.136/19), apresentado pelo deputado Bibo Nunes (PL-RS), prevê exceções para a educação infantil e para situações relacionadas à saúde do estudante.

O colegiado se dividiu ao aprovar o substitutivo do relator, deputado Nikolas Ferreira (PL-MG), no dia 16 de julho. Com 17 votos favoráveis e 17 contrários ao parecer, o relator deu o voto de desempate. O projeto será analisado em caráter conclusivo pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).

Após a aprovação do texto, Nikolas argumentou que a promoção automática leva a uma progressão de alunos sem a devida compreensão dos conteúdos, resultando em deficiências acumuladas ao longo dos anos. Esse modelo, na visão do parlamentar, também desmotiva professores por verem seus alunos “progredindo sem ter alcançado os objetivos mínimos de aprendizagem”.

Especialistas apontam que a aprovação automática pode criar uma falsa sensação de progresso na educação brasileira. Francisco Garcia, pedagogo especialista em políticas públicas, destaca que, nos últimos 20 anos, o aumento nas taxas de aprovação inflou artificialmente o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), dando a impressão de avanço, enquanto os resultados reais de aprendizagem quase não mudaram.

Para ele, a resistência ao projeto que altera a LDB parte de uma falsa dicotomia, pois o combate à progressão automática complementa outras ações fundamentais, como a formação continuada de professores, a garantia de material didático de qualidade, o desenvolvimento de currículos baseados em evidências científicas e a implementação de sistemas robustos de avaliação formativa e somativa.

Anamaria Camargo, especialista em educação, afirma que países com excelência educacional não têm altas taxas de reprovação porque possuem um suporte preparado para acolher estudantes com problemas na aprendizagem. Outro ponto importante, segundo Camargo, é que as crianças chegam aos 7 ou 8 anos já alfabetizadas.

Dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) mostram que as taxas médias nacionais de reprovação em 2023 eram de 2,5% nos anos iniciais do ensino fundamental; 4,8% nos anos finais do ensino fundamental; e 5,3% no ensino médio. O Anuário Brasileiro da Educação Básica 2024 aponta que, em 2023, apenas 55,9% dos alunos do 2º ano do ensino fundamental estavam alfabetizados.

Já o nível de aprendizagem adequada em Português e Matemática em 2021, segundo o Anuário, chegou a: 31,2% nos anos iniciais do Ensino Fundamental; 12,3% em anos finais do Ensino Fundamental; e 3,2% no Ensino Médio.

O Indicador de Alfabetismo Funcional (Inaf) de 2024 mostra que 17% dos estudantes que concluem o Ensino Médio são analfabetos funcionais.

Garcia acredita que, enquanto a política de progressão automática estiver em vigor, o ensino brasileiro continuará entre os piores do mundo em avaliações internacionais, como o PISA (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes), o PIRLS (Estudo Internacional de Progresso em Leitura) e o TIMSS (Estudo Internacional de Tendências em Matemática e Ciências).

O projeto de lei, para Garcia, representa um “grito de socorro” diante da situação do ensino no Brasil. Ilona Becskeházy, doutora em Política Educacional pela PUC-RJ e ex-secretária de Educação Básica do MEC, considera que a proposta torna o texto da lei mais claro para organizar a progressão por série e não por ciclos.

João Batista Oliveira, fundador do Instituto Alfa e Beto (IAB), é crítico da proposta, argumentando que a promoção automática é apenas “parte de um sistema que não funciona”. Para ele, a proposta do projeto é um equívoco que atinge, sobretudo, o aluno mais pobre e desprotegido.

Claudia Costin, fundadora e diretora do Centro de Políticas Educacionais da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e cofundadora do movimento Todos pela Educação, defende que a prioridade deve ser enfrentar as “enormes desigualdades educacionais” no país, fortalecendo a alfabetização e oferecendo melhores condições de trabalho aos professores.

Costin afirma que o aluno precisa ter a chance real de aprender e lembra que, em países com bons sistemas educacionais, a reprovação é rara. Ela cita como exemplo positivo a iniciativa “Teaching at the Right Level” (Ensinando no Nível Certo), que ganhou destaque após a pandemia da Covid-19 como alternativa para fortalecer o ensino de Matemática e Língua Portuguesa antes que as crianças deixem o Ensino Fundamental. Nessa abordagem, os alunos são agrupados conforme seu nível de aprendizado, e não pela idade ou série, permitindo que os professores desenvolvam habilidades fundamentais de forma mais eficaz.

Para Costin, a aprovação automática não é a solução para os problemas do ensino brasileiro e que o debate sobre a reprovação precisa ser mais amplo, buscando soluções que realmente melhorem a qualidade da educação para todos os alunos.

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