Cotas em colégios militares: polêmica e recurso judicial

A decisão judicial favorável à implementação de cotas nos processos seletivos de acesso aos colégios militares, obtida pelo Ministério Público Federal (MPF) em junho, ainda está em fase de recursos. Apesar disso, o governo federal antecipou-se e, em 29 de agosto, publicou uma portaria que estabelece as cotas para o ano letivo de 2026.
A sentença, proferida pela juíza Maria Rúbia Andrade Matos da 10ª Vara Cível Federal de São Paulo, argumenta que as cotas representam uma oportunidade de romper com a sub-representatividade de grupos minoritários, justificando a necessidade de ações afirmativas em um país historicamente desigual, com base no Estatuto da Igualdade Racial. A juíza refuta a alegação de falta de orçamento do Ministério da Educação para os colégios militares, declarando que existem regras que se sobrepõem aos princípios constitucionais de igualdade material.
Entretanto, a implementação de cotas se aplica exclusivamente ao sistema de colégios militares, pois esses são instituições mantidas e administradas diretamente pelo Ministério da Defesa, com regime disciplinar próprio e currículo diferenciado. A gestão pedagógica das escolas cívico-militares, por sua vez, está sob responsabilidade das secretarias de educação estaduais, com administração compartilhada com militares da reserva, sem interferência na parte acadêmica.
A decisão judicial gerou polêmica, sendo classificada por alguns como “ativismo judicial” que ignora legislações específicas e jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF). O advogado Miguel Kalabaide argumenta que a sentença se baseia em leis que não se aplicam aos colégios militares, como a Lei das Cotas em Universidades Federais (Lei nº 12.711/2012) e a Lei das Cotas em Concursos Públicos Federais (Lei 15.142/25). Kalabaide defende que o sistema de ensino militar é regido por uma lei específica vinculada ao Ministério da Defesa, e alerta para o risco de criar uma política de cotas desproporcional ao mesclar legislações de diferentes áreas.
Kalabaide, que considera a decisão uma “criatura jurídica Frankenstein”, defende que a adoção de cotas nos colégios militares só seria legítima com aprovação de uma lei específica no Congresso Nacional. A portaria publicada pelo Ministério da Defesa, que regulamenta o processo seletivo de 2026, já estabelece a distribuição das vagas com as cotas, em cumprimento à sentença.
A defesa do governo federal se baseia em precedentes do STF, que já se manifestou sobre a distinção entre os sistemas de ensino, reafirmando o caráter meritório dos concursos para os colégios militares.
As vagas para o perfil de escola pública serão de, no mínimo, 50% do total, destinadas a candidatos que se enquadram em um ou mais perfis: escola pública, cota social, negros (preto, pardo e indígena), quilombola e pessoa com deficiência.
Apesar da portaria, a implementação de cotas ainda enfrenta questionamentos sobre o impacto no padrão de excelência dos colégios militares. O advogado Kalabaide alerta que a nota de corte para os candidatos cotistas pode ser significativamente menor, o que pode excluir estudantes com boas notas. Ele cita o exemplo do Colégio Militar de Curitiba, onde de 30 vagas para o ensino fundamental, 16 seriam para cotas e apenas 14 para a ampla concorrência.
A expectativa é que o recurso contra a sentença seja analisado pelo Tribunal Regional Federal da Terceira Região (TRF3), que poderá, caso seja favorável ao governo federal, levar o caso ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e, por fim, ao Supremo Tribunal Federal (STF). Caso a decisão judicial seja mantida, Kalabaide afirma que pais e candidatos prejudicados podem recorrer em ações judiciais individuais, gerando mais instabilidade no processo seletivo.