IA na Educação: Potencial e Desafios para o Brasil

A inteligência artificial (IA) tem ganhado destaque no cenário educacional brasileiro, especialmente nos níveis fundamental e médio. Apesar de iniciativas em diferentes estados demonstrarem o potencial da tecnologia, ainda existem dúvidas e desafios a serem enfrentados para garantir seu uso eficaz e seguro. O mais recente Relatório de Desenvolvimento Humano (RDH) da Organização das Nações Unidas (ONU) destaca a necessidade de reflexão nesse contexto.
Pedro Conceição, diretor do escritório responsável pela elaboração do relatório, enfatiza que a IA representa uma nova fronteira no desenvolvimento humano. “É uma tecnologia acessível a todos. O relatório busca explorar que tipo de escolhas podemos fazer para utilizar essa tecnologia de forma a aumentar o desenvolvimento humano”, afirma em entrevista.
Conceição acredita que a IA pode ser uma ferramenta poderosa na educação, especialmente em regiões com poucos recursos. “A inteligência artificial pode ajudar o professor a calibrar e personalizar a educação para pessoas com diferentes níveis e ritmos de aprendizagem”, argumenta.
A Secretaria da Educação de São Paulo parece seguir essa linha de pensamento. Atualmente, está em fase de implementação um assistente virtual para correção de trabalhos dissertativos na plataforma TarefaSP, com o objetivo de liberar os professores para atividades pedagógicas mais complexas.
No entanto, o uso da IA na educação exige cautela. Conceição alerta que processos como o pensamento crítico não podem ser delegados à inteligência artificial, tanto para professores quanto para alunos. Essa é uma preocupação compartilhada por especialistas como Carlota Boto, diretora da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP).
Boto defende a importância da mediação humana no processo educativo, argumentando que a educação não se resume à transmissão de conteúdos, mas à construção crítica de conhecimento, algo que não pode ser automatizado. “É preciso ter cautela para que essa inteligência artificial não se transforme em um Oráculo de Delfos, através do qual você busca irracionalmente qualquer conteúdo como se esse conteúdo não fosse passível de ser criticado, revisto e refutado”, adverte.
O RDH da ONU destaca que o Brasil enfrenta desafios estruturais na educação, o que impacta diretamente a implementação da IA. O índice considera a expectativa de escolaridade e a escolaridade média da população.
O Brasil apresenta uma discrepância entre a escolaridade média (8,4 anos) e a esperada (16 anos), um dos mais elevados da América Latina. “O que isso nos mostra é que o Brasil está, de certa forma, pagando o preço de um desinvestimento em educação ao longo de muitos anos”, afirma Conceição.
Essa situação se reflete nas diferenças regionais e na posição do Brasil no ranking global do IDH em educação. O economista português ressalta que o sul do Brasil é mais rico, com indicadores de desenvolvimento humano mais elevados que o Nordeste, e a redução dessas disparidades é fundamental para o progresso do país.
O RDH enfatiza que os dados de educação e saúde evoluem lentamente, enquanto os dados econômicos são mais voláteis. “O índice de desenvolvimento humano tem a ver com mais do que as decisões do governo, embora elas sejam muito importantes. Tem a ver também com a sociedade civil e com a forma como as instituições funcionam. Não devemos ficar presos somente no passado, mas usar estes indicadores para olhar para o futuro”, sintetiza Conceição.
Em diferentes regiões do Brasil, iniciativas com IA já estão em andamento. Em Pernambuco, mais de 31 mil professores utilizam a plataforma Teachy, que automatiza tarefas como a criação de planos de aula e a correção de provas, liberando tempo para o ensino.
A Secretaria da Educação do Piauí lançou o Laboratório de Dados Educacionais, que utiliza IA para identificar e prevenir o abandono escolar. Já no Paraná, a inteligência artificial é aplicada para apoiar a alfabetização de crianças nas redes municipais, através da ferramenta Fluência Paraná, desenvolvida em parceria com o Google.
Apesar do entusiasmo, estudos alertam para os riscos da dependência excessiva da IA na aprendizagem. A pesquisa do MIT mostrou que usuários que confiaram exclusivamente em modelos de linguagem tiveram desempenho inferior em testes cognitivos.
Carlota Boto reforça a necessidade de um uso equilibrado da IA: “A cultura digital pode ser uma aliada, mas ela precisa ser uma aliada inteligente”.
O RDH convida governos, educadores, famílias e estudantes a refletirem sobre as decisões que estão por vir. A inteligência artificial já é uma realidade nas escolas brasileiras, mas seu uso consciente e eficaz depende de escolhas estratégicas que fortaleçam os professores, reduzam as desigualdades regionais e promovam o pensamento crítico.