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Do campo de batalha às arquibancadas: o tambor que ainda pulsa em nós

O tambor e o discurso

Antes de existirem os discursos, existiam as batidas — o eco do coração humano transformado em linguagem.

Em todas as culturas, o ritmo foi a primeira forma de comunicação coletiva: um código que unia corpos, emoções e intenções em um mesmo compasso.

Nos antigos campos de batalha, o tambor marcava o passo dos guerreiros e sustentava sua coragem. Era um guia sonoro e espiritual, uma ponte entre o medo e a bravura. O som grave e contínuo despertava a sensação de força coletiva — aquele estado em que o indivíduo desaparece e resta apenas o grupo, pulsando como um único corpo.

Os cânticos bélicos, repetitivos e intensos, nasciam desse mesmo impulso: transformar o medo em energia, a solidão em pertencimento, o caos em ritmo.

O tambor nas arquibancadas

Séculos depois, nas arquibancadas de estádios e ginásios, esse instinto permanece. As torcidas entoam seus cantos como exércitos simbólicos, e os tambores ditam o compasso das vozes.

Cada batida organiza, empolga e transforma a multidão em tribo. A guerra deu lugar ao jogo, mas o corpo ainda reconhece o ritual — o corpo ainda sabe o que é lutar junto.

Do ponto de vista antropológico, o tambor e o ritmo são mediadores culturais entre o arcaico e o moderno. Eles carregam uma função social que vai muito além da música: são instrumentos de coesão e identidade.

Nas aldeias africanas, nas festas populares latino-americanas ou nos cortejos religiosos, o ritmo sempre foi uma forma de dizer “nós existimos”. E nas torcidas, esse mesmo gesto reaparece, agora vestido de cores e bandeiras.

Tambor

Cada clube tem seu canto, seu toque, sua “assinatura sonora” — uma afirmação simbólica de quem somos, de onde viemos e por quem vibramos.

O tambor como memória viva

O tambor, portanto, não é apenas um instrumento; é uma memória viva. Ele liga o presente às origens tribais do ser humano, lembrando-nos de que o som pode ser tanto oração quanto convocação.

Nas arquibancadas, o torcedor não canta apenas por um time, mas por uma herança ancestral de pertencimento — por aquele desejo inato de vibrar junto, de transformar o simples ato de bater um tambor em uma celebração da própria vida.

No fundo, quando a torcida explode em canto, não é apenas o estádio que treme. É a lembrança de todos os tambores que já bateram no mundo, ainda ecoando dentro de nós — lembrando que, mesmo quando o campo é de futebol, o coração humano continua marchando no mesmo compasso ancestral.

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Davi Samuel Valukas Lopes

Também conhecido como Nana Kofi Adom, é músico saxofonista, poeta, ensaísta, redator, professor e embaixador cultural. Representa o Reino Bunyoro Kitara no Brasil, monarquia subnacional localizada em Uganda, na África, além de ser membro de diversas organizações socioculturais de diversos países. Atua na interseção entre Cultura, Tradição & Inovação, Tecnologia e Educação, sempre com foco em Pessoas. Recebeu alguns prêmios por sua atuação cultural, entre eles a Comenda da Ordem do Mérito Cultural Carlos Gomes, da Sociedade Brasileira de Artes, Cultura e Ensino, e a Comenda das Letras da Ordem do Mérito Histórico-literário Castro Alves, da Confederação de Ciências, Letras e Artes do Brasil.

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