Os filhos do altar e da lança

OS FILHOS DO ALTAR E DA LANÇA – MARCELO AUGUSTO MIRANDA

Capítulo V — O Voto de Cruzada: Quando o Reino Sonha com Jerusalém

Leia os capítulo anteriores aqui.

A luz que envolvia Pedro agora cintilava como as estrelas sobre um deserto sagrado. O chão sob seus pés era pedra antiga, tocada por botas de peregrinos e espadas de cavaleiros. Estava numa assembleia que pulsava com ardor não apenas político, mas celeste. Ali se reuniam não homens comuns, mas homens com cruzes costuradas no peito — os cruzados.

Era o século XII avançado, e Portugal, ainda em seu crescimento, já não olhava apenas para dentro de suas fronteiras, mas para o coração do mundo cristão: Jerusalém. O Papa conclamara as nações, e os reinos respondiam com lanças e orações. Entre eles, erguia-se Portugal, ainda pequeno, mas de alma gigante, decidido a oferecer seus filhos e seus bens à libertação do Santo Sepulcro.

Pedro estava diante da corte de Dom Sancho I, o filho de Dom Afonso Henriques. Ali, entre conselheiros e abades, cavaleiros e monges, o voto de cruzada foi pronunciado. O rei, de joelhos diante do altar, ofertava não apenas soldados, mas o próprio reino como um dote ao Cordeiro Imolado.

— “Se o Rei dos Céus foi coroado de espinhos em Jerusalém,” disse Dom Sancho, “não é digno que reine ali com honra — não pela ambição dos homens, mas pela espada consagrada de seus servos?”

E então, todos os presentes bateram no peito e bradaram, como em coro litúrgico:

— “Deus vult! Deus o quer!”

Pedro sentiu o chão tremer, não por terremoto, mas pela decisão que movia o
céu. O Anjo ao seu lado murmurou:

— “O voto de cruzada é mais que uma marcha armada. É a alma de um povo que entende que sua história está ligada ao drama da Redenção. Ao dar-se por Jerusalém, Portugal começa a compreender que sua missão vai além de si.”

Pedro viu os mosteiros reunindo esmolas, os camponeses rezando pelos que partiam, as mães oferecendo seus filhos como mártires da fé. Mas não era apenas sangue que se ofertava — era coração. Em cada barco que zarpava para o Oriente, ia também a esperança de que o Santo Lugar, onde Cristo pisou, fosse liberto.

Em 1190, durante a Terceira Cruzada, uma frota de navios portugueses foi avistada nas águas de Acre, combatendo ao lado de irmãos da fé. Já em 1217, na Quinta Cruzada, nobres lusitanos rumaram ao Egito, não em busca de glória, mas da Terra Santa. Muitos outros se uniram às fileiras da Ordem do Templo e da Ordem de Malta, levando consigo o nome de Cristo e a cruz das Cinco Chagas.

Pedro contemplou cenas de batalha e de glória, mas também de fracasso e sofrimento. Muitos tombaram sem ver Jerusalém. Outros regressaram com feridas, mas com a alma incendiada pela graça. E o menino compreendeu que a vitória não se mede pela conquista de muros, mas pela fidelidade nas provações.

Então, viu uma cena oculta aos olhos do mundo: em Jerusalém, na basílica do Santo Sepulcro, um peregrino português ajoelhava-se diante do túmulo vazio. Lágrimas corriam-lhe o rosto, como se fossem relíquias de um coração oferecido.

— “Senhor,” dizia ele, “não vim por honra, nem por terra. Vim para dizer-Te: Portugal é Teu. E onde nosso sangue correr, seja em Teu Nome.”

Pedro foi tomado de comoção. O Anjo, com voz de sino antigo, disse:

— “Lembra-te disso, Pedro. Portugal não foi chamado para dominar, mas para consagrar. E o Brasil, que um dia receberá essa missão, será herdeiro desta cruz que hoje é jurada.”

O cenário então mudou. Dos campos de batalha da Terra Santa, Pedro viu surgir cartas, mapas, sonhos — os primeiros suspiros da navegação. O desejo de conquistar Jerusalém havia plantado no coração dos portugueses algo ainda maior: levar Cristo onde nunca fora anunciado.

A Cruz deixava de ser só símbolo de guerra: tornava-se estandarte da salvação, vela estendida sobre os mares.

O vento soprava — agora não mais do deserto, mas do mar. As velas aguardavam.

As estrelas guiariam.

E a promessa seguiria seu curso.

Pedro olhou para o céu e entendeu: antes que o Brasil fosse visto por olhos humanos, já fora traçado no coração de Deus.

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Marcelo Augusto Miranda é natural de São Paulo – SP. É bacharel em Direito e empresário atuante no setor de pós-colheita. Católico, valoriza princípios éticos e a tradição cristã em sua vida pessoal e profissional.

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