Educação

Política educacional brasileira em xeque: projeto do PNE compromete a qualidade da educação por mais uma década

A política educacional brasileira está novamente no centro das atenções, com o Congresso a caminho de aprovar um projeto que compromete a qualidade da educação por mais uma década. O Plano Nacional de Educação (PNE), apresentado recentemente à Câmara dos Deputados, traz metas ambiciosas para o decênio de 2025 a 2035, mas a sua execução parece mais uma questão de desejo do que de realidade.

O relatório do relator, Moses Rodrigues, está em tramitação e a próxima etapa é a votação pela Comissão Especial da Câmara. Deputados podem apresentar emendas e pedir ajustes, mas a preocupação é que o projeto não seja aprimorado, apenas adiado. A votação estava prevista para a terça-feira (11), mas um pedido de vista coletivo adiou a decisão.

Um dos principais problemas é a falta de clareza e objetividade nas metas do PNE. A medida mais concreta prevista para melhorar o ensino de português e matemática é a aplicação de avaliações obrigatórias e censitárias, a partir do 1º ano do ensino fundamental. No entanto, essa medida é apenas uma pequena parte do projeto, que prioriza o discurso ideológico sobre a eficácia da alfabetização.

A meta da alfabetização mistura o aperfeiçoamento dos professores com diretrizes voltadas a grupos identitários. A formação docente deverá ter foco em “turmas heterogêneas, multisseriadas, inclusivas e em contextos territoriais, sociais, socioambientais e culturais diversificados”. Isso significa que a centralidade da eficácia da alfabetização se perde em meio a muitos objetivos.

Para Sineide Gonçalves, pós-doutora em Estudos Linguísticos, as metas para língua portuguesa são mais ideológicas que técnicas. “O Plano Nacional de Educação deveria favorecer a aprendizagem a partir de metas e objetivos que fundamentassem com clareza, e menos ideologicamente, todas as questões discursivas e literárias que envolvem a área de língua portuguesa.” Ela critica que o plano prioriza a linguagem enquanto inclusão, em vez de como identidade nacional.

A aposta do plano é em expandir as funções da escola, sem enfrentar com clareza o principal desafio da educação brasileira: fazer os alunos aprenderem o básico. Em vez de priorizar resultados de leitura, escrita e matemática, o novo PNE tenderá a distribuir a atenção para temas diversos, como sustentabilidade, direitos humanos e atendimento a grupos identitários.

“Creio que isso é mais uma forma de mobilizar recursos públicos para projetos voltados para esses grupos. O problema é que muitas vezes estes projetos não têm como compromisso real a melhoria da qualidade da educação para estes grupos, e sim reforçar o discurso identitário e, consequentemente, ampliar a área de atuação de determinados movimentos políticos às custas do pagador de impostos”, observa Gabriel Mendes.

O projeto prevê “promover ações e programas de recomposição das aprendizagens”. No entanto, o que se entende por recomposição nesse contexto dificilmente incluirá medidas mais concretas, como o fim da aprovação automática. Entre os principais defensores do plano, a reprovação é vista como medida excessiva, e elevar o nível de exigência costuma ser tratado como um problema em si.

Para Gabriel Mendes, “é preciso tratar a questão das metas com mais seriedade, mobilizando técnicos para que tenhamos objetivos que sejam factíveis de serem alcançados em dez anos, sem ingerência do corporativismo que hoje domina o debate”. “Devemos também responsabilizar gestores que não alcancem bons resultados”, acrescenta.

A situação é ainda mais preocupante, pois o produto final do debate sobre o PNE será combinado com o Sistema Nacional de Educação (SNE), recém-aprovado no Senado. Com a criação do SNE, corremos o risco de centralizar decisões importantes em Brasília, o que pode fazer com que tenhamos cada vez menos experiências alternativas em estados e municípios.

A previsão de mais gastos na educação não é acompanhada por aumento na exigência. A proposta não estabelece critérios rígidos para vincular esse aumento de recursos à melhoria concreta dos resultados de aprendizagem. A votação está adiada, mas a preocupação é que o país continue aumentando gastos sem garantir que os estudantes aprendam mais.

“Só gastar mais não vai ampliar a qualidade da educação. O plano não estabelece uma relação direta do volume de investimento com o desempenho das escolas e o desempenho dos nossos alunos”, afirma Sineide Gonçalves.

A questão é que o discurso identitário e as penduricalhas pedagógicas podem prejudicar o ensino das disciplinas básicas, dizem especialistas. “Quando o Estado direciona recursos e esforços prioritariamente a grupos minoritários, a certos grupos, seja eles quais forem, sem equilibrar com políticas universais, mais robustas, ele está abrindo, na verdade, um espaço para novas formas de exclusão”, questiona Sineide Gonçalves.

A educação vai deixar de ser vista predominantemente como direito universal, como um instrumento de coesão social, para ser concebida no campo da reparação e do reconhecimento identitário. É preciso evitar que essa agenda ideológica de diversidade se sobreponha à função do Estado prevista na nossa Constituição de oferecer educação com qualidade para todos.

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