Raul Torres e Florêncio: os eternos trovadores da roça
Espaço do Caipira

Na rica tradição da música caipira brasileira, poucos nomes ressoam com tanto afeto e respeito quanto o da dupla Raul Torres e Florêncio.
Ícones de uma era em que a viola falava mais alto que qualquer modismo urbano, esses dois mestres da canção sertaneja ajudaram a moldar os alicerces do gênero que hoje encanta gerações.
Para os leitores da coluna Espaço do Caipira, da Folha de Paraguaçu, esta é uma justa homenagem a esses verdadeiros guardiões da cultura rural brasileira.
Raul Torres e Florêncio antes da fama
Raul Torres, nascido em 1906 na cidade de Botucatu (SP), já mostrava desde cedo um dom especial para a música e para o improviso.
Compositor nato, ator de radionovelas e comediante ocasional, Raul foi um artista completo. Em meados da década de 1920, começou sua carreira artística e gravou seus primeiros discos ainda na era do 78 rotações.
Nesse contexto, sua música misturava influências do folclore caipira com elementos do teatro popular e da cultura ibérica, fruto da imigração espanhola de sua família.
Todavia, foi ao lado do parceiro Florêncio que Raul Torres encontrou seu compadre ideal.
Florêncio, cujo nome verdadeiro era João Batista Pinto, nasceu em Itápolis (SP) e, além de músico, era também um exímio contador de causos.
Com uma voz caricata e um jeito bem humorado de cantar, Florêncio trouxe para a dupla uma leveza cômica que contrastava com a voz grave e mais narrativa de Torres.
Raul Torres e Florêncio: uma dupla fiel às raízes
Essa química deu tão certo que a dupla se tornou uma das mais queridas do Brasil rural, especialmente entre as décadas de 1940 e 1960.
Diferente de outras duplas da época, Raul Torres e Florêncio inovaram ao criar verdadeiras peças teatrais musicadas, com personagens, diálogos e enredos completos em forma de canção.
Obras como “Moda da Mula Preta”, “Cabocla Tereza” e “Pinga ni Mim” são exemplos do talento da dupla para contar histórias do cotidiano sertanejo com graça, emoção e autenticidade. Cada canção era como uma visita à roça, com cheiro de café coado, fogão a lenha e prosa na varanda.
Mesmo com o passar dos anos e as mudanças no cenário musical brasileiro, Raul Torres e Florêncio mantiveram-se fiéis ao estilo raiz, sendo reconhecidos como referência por artistas como Tonico & Tinoco, Liu & Léu e Renato Teixeira.
Dessa maneira, as gravações, feitas em tempos difíceis, quando a tecnologia era limitada e o rádio era o principal veículo de divulgação, hoje são relíquias que preservam a alma do sertão paulista.
O fim de uma carreira e o início de um legado
Infelizmente, os grandes artistas também são mortais. Nesse sentido, a parceria durou até 1957, quando Florêncio faleceu, vítima de complicações de saúde.
Raul Torres, profundamente abalado, seguiu carreira ao lado de seu filho Carlos Torres, com quem deu continuidade à tradição familiar. Mas a marca deixada por sua primeira formação jamais se apagou.
Neste cantinho do mundo chamado Paraguaçu Paulista, onde a vida ainda pulsa entre o campo e a cidade, recordar Raul Torres e Florêncio é também celebrar a nossa própria história.
Porque ouvir essas modas é mais do que apreciar música: é revisitar memórias, valores e afetos de um Brasil que insiste em florescer entre a poeira da estrada e o canto do galo.
Que sua música continue ecoando nos radinhos de pilha, nos encontros de violeiros e nos corações daqueles que, como nós, sabem que o verdadeiro ouro do sertão é uma tradição bem cantada.
Ouça a playlist da dupla no Spotify: