TCU aponta pagamento de R$ 4,4 bilhões em benefícios indevidos a falecidos

Uma auditoria realizada pelo Tribunal de Contas da União (TCU) flagrou um pagamento de R$ 4,4 bilhões em benefícios indevidos do INSS a pessoas já falecidas entre 2016 e fevereiro de 2025. A investigação também identificou pagamentos mensais de R$ 28,5 milhões a beneficiários que constam como falecidos em outras bases de dados oficiais.
Esses pagamentos indevidos se estendem a diversas categorias de benefícios, como aposentadorias, pensões, assistências sociais, incluindo o Bolsa Família, e vencimentos de servidores públicos federais, tanto ativos quanto inativos. De acordo com o levantamento, 275,8 mil casos de pessoas falecidas que continuaram recebendo benefícios foram identificados, sendo 136,9 mil apenas no sistema do INSS, representando um valor de R$ 2,48 bilhões.
A Gazeta do Povo buscou contato com a Previdência Social e o INSS para obter esclarecimentos sobre as falhas apontadas pelo TCU, mas não obteve retorno. O Ministério do Desenvolvimento Social, responsável pelo Bolsa Família, não se posicionou diretamente sobre os pagamentos indevidos do programa, mas declarou que a responsabilidade pelo Sistema Nacional de Informações de Registro Civil (Sirc), analisado pela Corte, é do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (MGI). Por sua vez, o MGI não respondeu à solicitação de posicionamento.
Nos autos da auditoria, o INSS informou que tem implementado diversas ações para acompanhar e auxiliar os cartórios e as corregedorias, com visitas técnicas para correção de inconsistências, supervisões e orientações técnicas, visitas às corregedorias de justiça estaduais, desenvolvimento de projeto para redução do tempo de envio de dados ao Sirc, melhorias no sistema Sirc Web e criação de painel analítico para consulta das corregedorias.
A auditoria conduzida pelo TCU, sob relatoria do ministro Jorge Oliveira, avaliou a qualidade dos dados de óbitos no Sirc e constatou “fragilidades estruturais que comprometem a fidedignidade dos dados e acarretam pagamento indevido de benefícios previdenciários e sociais a pessoas falecidas”.
“Os controles implementados pelos órgãos competentes pela gestão do Sirc não são suficientes para garantir a qualidade das informações de óbitos, em razão de vácuos regulatórios, falha no dever de fiscalizar e ineficiência nos sistemas existentes para prover informações precisas em subsídio à fiscalização”, escreveu o ministro no acórdão votado no final de julho, ao qual a reportagem teve acesso.
Oliveira ainda destacou a “fragilidade na estrutura de governança” do sistema e criticou a “participação limitada” dos cartórios e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) no Comitê Gestor do Sirc (CGSirc).
Outro ponto crítico identificado pelo tribunal foi a ausência de registros de óbito no Sirc. A comparação com as bases do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) e da Central de Registro Civil (CRC) revelou que mais de 12 milhões de óbitos estão fora da plataforma, o que compromete o controle de pagamentos.
Dentre esses, 10,6 milhões são registros feitos entre 1976 e 1999 e que nunca foram integrados ao sistema, mesmo com previsão legal para isso desde 2009.
“Tal medida é importante pois a situação encontrada pode ocasionar alto impacto financeiro para a União, seja no pagamento de benefícios previdenciários ou de aposentadorias e pensões para pessoas que faleceram posteriormente, mas que, por falta da informação no sistema, não houve a interrupção devida”, anotou o relator.
A auditoria também apontou que os cartórios nem sempre cumprem o prazo legal de um dia útil para registrar os óbitos no sistema. Há registros com atraso médio superior a nove dias. Em muitos casos, os dados enviados são incompletos ou incorretos, dificultando a identificação da pessoa falecida.
Cerca de 35% dos registros de óbitos no Sirc apresentam falhas nos campos de CPF, nome ou data de nascimento, o que impacta diretamente na identificação correta dos beneficiários. O impacto financeiro dessas inconsistências foi estimado em R$ 163 milhões entre 2016 e 2024.
O TCU também destacou a falta de controle e de penalizações aplicadas aos cartórios que descumprem suas obrigações legais, com a ausência de apuração de responsabilidade ou sanções por parte do INSS.
“Nada obstante, ressalta-se a deficiência da atividade sancionatória da autarquia. O INSS tem competência para aplicar sanções administrativas aos cartórios de registro civil de pessoas naturais que descumprirem as obrigações previstas no art. 68 da Lei 8.212/1991, a qual trata da comunicação obrigatória de registros de óbitos e outros atos civis ao Sirc. […] No entanto, em resposta à diligência, o INSS não apresentou nenhuma medida sancionatória aplicada com base na referida norma”, completou Jorge Oliveira.
Diante das irregularidades, o tribunal determinou ao INSS que, em até 90 dias, adote medidas para apurar responsabilidades e sancionar os cartórios inadimplentes. Também exigiu que o instituto convoque para prova de vida pessoas que constem como mortas no sistema, mas sigam recebendo benefícios – com prazo de 30 dias para início da ação.
Já o Comitê Gestor do Sirc (CGSirc) deverá, em até 120 dias, definir como será feita a inserção no sistema dos registros antigos ainda não computados, os chamados dados “legados”, e apresentar em até 90 dias um plano de ação conjunto com o CNJ e o INSS para melhorar a integração das informações sobre óbitos.