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O Triplo Transcendental e o Triplo Convencimento

 Como Verdade, Bondade e Beleza dialogam com Logos, Ethos e Pathos

Introdução: Quando a metafísica encontra a arte de convencer

O triplo transcendental e o triplo convencimento.

A filosofia clássica apresenta dois trios conceituais que, embora distintos em origem e finalidade, dialogam profundamente: os transcendentais — verdade, bondade e beleza — e os três modos de persuasão descritos por Aristóteles na Retórica: logos, ethos e pathos.

O primeiro trio pertence à metafísica: são propriedades universais do ser, válidas em qualquer tempo e lugar.

O segundo trio constitui a estrutura do convencimento humano: formas pelas quais uma mensagem pode alcançar e mover o interlocutor.

Este artigo defende que existe uma correspondência orgânica entre esses sistemas. Cada modo de persuasão manifesta um transcendental: o logos comunica a verdade; o ethos traduz a bondade; o pathos revela a beleza. Essa correlação não reduz um sistema ao outro, mas mostra que a retórica, quando compreendida em profundidade, ecoa princípios fundamentais da metafísica.

1. Os Transcendentais: os Três Pilares de Tudo o que Existe

Desde a tradição platônica e, posteriormente, na síntese tomasiana, os transcendentais são compreendidos como características inseparáveis de tudo aquilo que existe. Qualquer ente, na medida em que é ser, também é verdadeiro, bom e belo.

  • Verdade (verum): aquilo que corresponde ao real; o ser enquanto cognoscível.
  • Bondade (bonum): aquilo que pode ser desejado e que aperfeiçoa; o ser enquanto valioso.
  • Beleza (pulchrum): aquilo que agrada ao ser contemplado; o ser enquanto harmonioso e significativo.

Essas três dimensões se sobrepõem e se interpenetram. Nada é genuinamente belo se não contém verdade; nada é verdadeiramente bom se não se manifesta de modo belo; nada é plenamente verdadeiro se não se ordena ao bem.

Transcendental

2. Logos, Ethos e Pathos: As Três Forças do Convencimento

Na Retórica, Aristóteles identifica três meios através dos quais um discurso pode persuadir:

  • Logos: o apelo racional; argumentos, evidências, explicações e relações de causalidade.
  • Ethos: a credibilidade moral do orador; sua integridade e virtudes percebidas.
  • Pathos: o apelo emocional; a capacidade do discurso de despertar sentimentos.

Esses três modos sintetizam a totalidade da experiência humana: pensamos (logos), confiamos (ethos) e sentimos (pathos). A persuasão eficaz é sempre uma combinação dessas dimensões, ainda que cada uma possa prevalecer dependendo da situação.

3. O Encontro dos Trios: Como Retórica e Metafísica Conversam

Apesar de pertencerem a campos distintos — um ontológico, outro comunicativo — os dois trios revelam afinidades profundas. A retórica só é eficaz porque se apoia nos pilares estruturais do real. Assim, podemos estabelecer três paralelos:

3.1. Logos e Verdade: o poder da razão que revela o real

  • O logos convence porque responde à sede humana de verdade.
  • Argumentos são eficazes quando refletem a estrutura do real, quando apresentam fatos, relações de causa e efeito, dados verificáveis.
  • O logos é, portanto, a manifestação retórica do transcendental verum.
  • A razão persuade porque a verdade é desejável em si mesma.

3.2. Ethos e Bondade: confiança nasce da virtude

  • O ethos opera porque percebemos no orador a presença de bondade, justiça e retidão.
  • A credibilidade moral nasce da percepção de que o emissor é confiável, honesto, íntegro e alinhado ao bem.
  • Assim, o ethos é a expressão comunicativa do transcendental bonum: o bom é reconhecido como digno de confiança e, por isso mesmo, persuade.

3.3. Pathos e Beleza: emoção é resposta ao que nos encanta

  • O pathos movimenta porque ativa nossa sensibilidade à beleza.
  • Narrativas, imagens, metáforas, ritmos e tonalidades despertam emoções, e essas emoções são respostas àquilo que tocamos como belo — não apenas no sentido estético, mas também existencial, afetivo e simbólico.
  • O pathos é, portanto, a manifestação retórica do transcendental pulchrum: a beleza emociona e, ao emocionar, convence.

Transcendental

 4. Uma Arquitetura da Comunicação Humana

A tríade aristotélica não é um mecanismo externo ao ser humano: ela opera porque ecoa estruturas profundas da realidade.

Assim como verdade, bondade e beleza são inseparáveis, também logos, ethos e pathos atuam conjuntamente.

  • Sem logos, o discurso é vazio.
  • Sem ethos, o discurso é suspeito.
  • Sem pathos, o discurso é inerte.

Da mesma forma:

  • A verdade sem bondade e beleza se torna árida.
  • A bondade sem verdade e beleza se perde.
  • A beleza sem verdade e bondade degenera em artifício.

Quando unimos os dois sistemas, percebemos uma arquitetura profunda da comunicação humana: convencer é ativar, pela linguagem, as mesmas dimensões que constituem o próprio ser.

Conclusão: A Retórica como Espelho do Ser

O diálogo entre o tríplice transcendental e o tríplice convencimento revela que toda comunicação eficaz reflete as estruturas metafísicas do real.

  • O logos persuade porque revela a verdade;
  • O ethos persuade porque manifesta a bondade;
  • O pathos persuade porque toca a beleza.

Assim, a retórica não é mera técnica de persuasão, mas um espelho das propriedades essenciais do ser.

O triplo transcendental e o triplo convencimento não são sistemas paralelos, mas expressões distintas de um mesmo fundamento: a união entre o que existe e o modo como nos relacionamos com ele.

Logos

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Davi "Nana Kofi Adom" Valukas

Davi Valukas é músico, poeta, ensaísta, redator, professor, designer instrucional, especialista em gamificação e embaixador cultural. Representa o Reino Bunyoro Kitara no Brasil, monarquia subnacional localizada em Uganda, na região dos Grandes Lagos, na África Oriental, além de ser membro de diversas organizações socioculturais de diversos países. Atua na interseção entre Cultura, Tradição & Inovação, Tecnologia e Educação. É graduado em Gestão de Recursos Humanos, com pós-graduações lato sensu em Docência dos Ensinos Médio, Técnico e Superior, em Educação Musical e Ensino de Artes e em Semiótica e Análise do Discurso, além de ser pós-graduando em História Cultural. Recebeu alguns prêmios por sua atuação cultural, entre eles a Comenda da Ordem do Mérito Cultural Carlos Gomes, da Sociedade Brasileira de Artes, Cultura e Ensino, e a Comenda das Letras da Ordem do Mérito Histórico-literário Castro Alves, da Confederação de Ciências, Letras e Artes do Brasil. Nascido em Araraquara-SP, vive desde 2012 em Uberlândia-MG com sua esposa, filha e genro.

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