
Na década de 80 ficava arquivado no almoxarifado da prefeitura processos criminais, boletins de ocorrência e diversos documentos que era guardado, mas por falta de espaço foram queimados. Mas foi organizando na época o almoxarifado que conheci muitos crimes ocorrido aqui na terrinha.
Um corpo caído, uma poça de sangue foi se formando aos poucos no chão batido na rua de terra, hoje denominada Avenida Miguel Deliberador, que manchou aquele distante domingo de 18 de março do ano de 1934. Para que possamos entender a história desse crime vamos voltar no tempo. João Batista da Silva era um moço moreno baixo, de estrutura forte e tinha os lábios bastante grandes e, por esse motivo, algumas pessoas chamavam-no de João Bicudo, um apelido que ele detestava. Quando pequeno muitas vezes ele arrumou briga com a molecada por causa do apelido, e sempre acabava tendo vantagens nas brigas por causa de seu porte físico avantajado que impunha respeito. João, filho de pais agricultores, acostumado desde pequenos a serviços do campo – derrubava gado na invernada e com isso foi adquirindo uma força descomunal. Com o passar do tempo João veio morar na cidade e foi trabalhar em uma serraria na Barra Funda. Devido a sua força era ele quem pegava as tábuas que passava na máquina e ia amontoando. João morava em uma casa de madeira na beira da linha. Mas, se o chamassem pelo apelido era briga na certa, as pessoas faziam referência a ele pelo apelido sem ele perceber, porque se ele ouvisse era briga na certa, e era prejuízo para qualquer um querer sai no braço com o João.
Certo dia Alcino Pereira, que trabalhava com João, estava jogando uma partida de malha em um campo improvisado, onde hoje está a Avenida Miguel Deliberador, que fica paralela com a estrada ferroviária. O jogo de malha estava sendo disputado entre uma dupla de Paraguaçu contra um dupla da Água da Lebre, a partida era uma espécie de torneio de malha promovida pelos próprios jogadores e a competição atraia a atenção dos moradores da pequena cidade na época.
Alcino ao arremessar a malha errou o alvo causando uma vaia de torcedores que lotavam a beira do campo adaptado para o torneio. João ao ver que o amigo errou a jogada brincando gritou: “Alcino parece que bebeu todas e não consegue acertar nada” (essa frases está registrada nos altos). Movido por um ódio momentâneo por causa das vaias e ao reconhecer a voz do amigo, Alcino se virou para onde João estava sentado e gritou: “cala a boca João Bicudo”. Na mesma hora João mudou o semblante, sua fisionomia aos poucos foi se transformando e as pessoas que estavam assistindo o jogo começaram a rir dele. João esperou cabisbaixo, mas a voz de Alcino parecia que ia fazendo eco em sua cabeça; ele saiu do meio da assistência sem ninguém perceber e foi até sua casa. Ao voltar percebeu que Alcino ainda disputava o jogo e ficou encostado num velho e centenário pé de cedro, onde hoje está a Fonte Luminosa, com a mente fervilhando e a palavra que ele mais detestava sendo reproduzida pela voz de Alcino dentro de sua cabeça: “João Bicudo… João Bicudo…João Bicudo”.
Ao terminar o jogo Alcino foi se sentar na plateia, mas antes dele sentar-se João foi ao seu encontro. A única frase que João falou foi: “Você me chamou de João Bicudo, você sabia que não gosto de ser chamado assim” e desferiu um golpe de faca em Alcino na altura do abdômen. Alcino tentou correr, mas deu alguns passos segurando a barriga e foi caindo ao solo de terra batida… começou uma correria e gritaria das pessoas que estavam assistindo jogo. Algumas pessoas tentaram socorrer e, chamaram o Dr. Oldack Noya ( recém chegado a Paraguaçu) , que ao chegar ao local constatou que Alcino Pereira já estava morto.
O delegado, Dr. Nicolau Giudice, acompanhado de três policiais saiu em diligência até onde morava João, ele se preparava para fugir quando recebeu a voz de prisão.
Oito meses depois do crime João Batista da Silva foi levado a júri popular. Trabalhou naquela manhã no Fórum de Paraguassú, o presidente do júri Dr. Benévolo Luz, juiz de direito da comarca; o promotor de justiça Dr. Quartim Filho; o secretário Hermenegildo Pinto Guimarães e atuando na defesa do réu o advogado Dr. Alessandro Salvado. Como jurados estavam Dr. José Alves, Pedro Alcântara Galvão, José Francisco Nogueira, João Francisco Vieira, Jair Garcia Nogueira e Juventino Ferreira Martins. A sentença foi de doze anos de cadeia ao réu João Batista da Silva, que não gostava de ser chamado de João Bicudo.