Hedy Lamarr, a “mãe do wi-fi”
Atriz austríaca tem biografia digna de enredo cinematográfico

Hedy Lamarr, ou Hedwig Eva Maria Kiesler, foi atriz de relativo sucesso na Áustria, seu país de origem. Abdicou da carreira para se casar com Friedrich Mandl, dono da Hirtenberger Patronen-Fabrik, uma fábrica de armas e munições militares, e um dos homens mais influentes do país. O casamento foi planejado como estratégia de proteção para a família Kiesler, que tinha origem judaica, por conta da ascensão de Hitler na vizinha Alemanha.
Nos primeiros anos de casamento, Mandl de fato empenhou-se contra a expansão do nazismo. Porém, um de seus clientes era Benito Mussolini, político italiano que liderou o fascismo durante a Segunda Guerra. Como esposa de Mandl, Hedy tinha por função organizar e entreter os convidados nos jantares de negócios do marido. Graças à sua perspicácia, percebeu rapidamente os rumos que a situação tomava: não demorou para que seu marido começasse, também, a negociar com os alemães.
Porém, quando isso aconteceu, Hedy já estava do outro lado do Atlântico, em Los Angeles. Em agosto de 1937, após várias tentativas frustradas, ela conseguiu fugir da Áustria e também de seu casamento. A fuga, segundo a atriz, exigiu meses de planejamento: escolheu uma criada para ficar à sua disposição, e que tinha porte físico e cabelos iguais aos seus; comprou um carro usado para a criada e economizou a mesada que recebia do marido. Para a fuga, escolheu a noite de um jantar importante, assim poderia também usar um conjunto de jóias Cartier que valia uma pequena fortuna. Simulou um mal-estar. Acreditando que ela estivesse grávida, Mandl deixou que ela saísse do jantar para descansar.
Hedy em seguida sedou sua criada, vestiu roupas iguais às dela, saiu de carro sem despertar suspeitas em direção à França e, de lá, atravessou o canal da Mancha, rumo a Londres. Foi a primeira parada em direção à sua nova vida do outro lado do Atlântico, o único lugar seguro para uma judia imigrante trabalhar como atriz com a ascensão de Hitler.
Por meio de um contato de sua época de atuação na Áustria, foi apresentada a Louis B. Mayer, chefe do estúdio MGM, ainda na Europa. Quando o chefe do estúdio ofereceu um contrato padrão de US$ 125 por semana, ao longo de sete anos, ela saiu da reunião enfurecida. Vendeu a pulseira de seu conjunto de jóias, comprou um bilhete no navio Normandie, no qual sabia que Mayer voltaria aos Estados Unidos. Na primeira noite no navio, colocou seu vestido mais bonito, serviu-se de toda sua capacidade de prender a atenção como fazia nos palcos e filmes, e entrou no salão certificando-se de que todos, inclusive o chefe do estúdio, olhavam para ela.
Funcionou. Chegou a Hollywood com um contrato de sete anos a US$ 550 semanais, com os ajustes usuais, e um novo nome, mais palatável para a audiência norte-americana: Hedy Lamarr.
A situação em sua terra natal tornava-se mais crítica, e sua mãe permanecera lá, sem a proteção de Mandl, que também tinha ascendência judaica (mesmo tendo se convertido ao cristianismo) e decidiu fugir para o Brasil.
Enquanto enfrentava burocracias para trazer sua mãe para os Estados Unidos, Hedy decidiu tomar para si a missão de tornar a ofensiva dos Aliados contra o nazismo mais eficaz. Ela sabia que, de todos os armamentos produzidos, os torpedos eram os mais problemáticos: além de imprecisos, também eram sensíveis à interferência de sinal de navios inimigos.
Ao conhecer, em uma festa, o compositor George Antheil, ela teve um “momento eureka”: em um dueto improvisado que fizeram ao piano, Antheil “transmitia um sinal” e ela o seguia. Lamarr fez a associação de idéias, em que o compositor seria um “submarinista ou marinheiro”, e ela, a “receptora”, ou um “torpedo”. Se o marinheiro e o torpedo constantemente mudassem de uma frequência de rádio para outra, como os dois fizeram ao piano, a comunicação se tornaria praticamente impossível de ser obstruída.
Lamarr e Antheil trabalharam na invenção durante meses e, em outubro de 1940, chegaram a um sistema de alternância de sinal de rádio para ser usado em torpedos e despistar radares nazistas. Submeteram a invenção ao Conselho Nacional de Inventores, recebendo a aprovação do próprio presidente do conselho, Charles Kettering, que recomendou a utilização do sistema à Marinha dos Estados Unidos.
A Marinha demorou a responder. Em 1941, a base de Pearl Harbor foi bombardeada, o que fez com que os Estados Unidos entrassem oficialmente na guerra. Os torpedos americanos logo se mostraram um fracasso, justamente por causa da imprecisão, o que animou Lamarr e Antheil, que ainda aguardavam uma resposta da Marinha. Quando finalmente a receberam, foram surpreendidos pelo fato de que, em vez de apostar no novo sistema, os militares optaram por permanecer com os torpedos antigos e tentar fazer com que funcionassem. O preconceito contra a invenção de uma mulher, ainda por cima uma atriz famosa, falou mais alto.
A Marinha só utilizou o sistema desenvolvido por Lamarr e Antheil em 1962, na Crise dos Mísseis. Posteriormente, perdeu a exclusividade de uso e o sistema tornou-se a base para vários sistemas tecnológicos atuais, como o GPS e o wi-fi.
Hedy Lamarr, por sua vez, só foi reconhecida oficialmente como inventora em 1997, quando recebeu uma menção honrosa do governo americano pela criação que abriu novos caminhos em eletrônica.